terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Mil poesias

Reparo o vento
E pra onde será que ele vai?
Se me levasse onde você mora,
Certamente eu iria atrás.

Em noites lindas
Eu fico a pensar,
Será que a lua brilha sozinha
Ou você que faz ela brilhar.

Ahhh... se eu pudesse imaginar,
Tudo que você pensa
Ou sempre irá gostar.
Ehhh... se eu pudesse entender,
O que te faz sorrir
Eu sempre ia fazer.

É que eu vim dizer
Mil poesias só pra você.
É que eu vim dizer
Mil poesias só pra você.
E se de alguma gostar
Outras mil eu posso formar.
E se tocar em você
Outras mil eu posso fazer.

(Sander Fróis)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Deixa chover

Sem demora vou-me embora
Mas eu não sei nem pra onde eu vou
Vou perder-me no caminho
É bem melhor do que onde estou
E na bagagem levo nada, não levo nem o cobertor,
Levo somente alegria e muita fé no meu Senhor
Sei vou encontrar muita pedra no caminho,
Uma flor e dez espinhos mas não posso me turvar
Pois o guerreiro de verdade é dentro da diversidade
Persevera na humildade e mostra todo o seu valor
E está revelado num segredo, não escondendo o seu desejo
De viver e ser feliz, mas um dia Deus vai lhe abençoar
Trazendo a sua chuva para o mal lavar

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Corsário

Meu coração tropical está coberto de neve mas
Ferve em seu cofre gelado
E à voz vibra e a mão escreve mar
Bendita lâmina grave que fere a parede e traz
As febres loucas e breves
Que mancham o silêncio e o cais

Roserais, Nova Granada de Espanha
Por você eu teu corsário preso
Vou partir na geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar
Me arrastar até o mar procurar o mar

Mesmo que eu mande em garrafas
Mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos
E as rosas partindo o ar
Nova granada de espanha
E as rosas partindo o ar

(João Bosco/Aldir Blanc)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

É o que me interessa

Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o teu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurre em meu ouvido
Só o que me interessa

(Lenine)

Paciência

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não pára...

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...

O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...

Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
Será que temos esse tempo
Prá perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

(Lenine/Dudu Falcão)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Vinícius de Moraes

Eu agora vou cantar umas musiquinhas para vocês, disse Vinicius às crianças, e começou: Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada... Espera aí, interrompi, vou buscar um gravador. Assim dizendo saí ligeiro. Voltei em seguida, gravadorzinho ligado e ele recomeçou: Lá vem o pato, pato aqui, pato acolá... Cantou todas as canções, intercalando entre elas uma chamada: Esta é para Marianinha!... Esta é para Bruninho!... Esta é para Maria João!... Encantadas, as crianças ouviam as músicas pela primeira vez, pois elas ainda não haviam sido gravadas naquela ocasião. Ao saber que não restara nenhuma gravação delas após a morte de Vinicius, entreguei meu cassete à Gilda Queiroz Matoso, última e amada companheira do poeta até seus derradeiros momentos. Gravação precária, porém a única que restou e é a que se ouve até hoje.
(Zélia Gattai)

Peladas

Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.
Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.
Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati.
No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.

(Armando Nogueira)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Meu eu em você

Eu sou o brilho dos teus olhos ao me olhar
Sou o teu sorriso ao ganhar um beijo meu
Eu sou teu corpo inteiro a se arrepiar
Quando em meus braços você se acolheu

Eu sou o teu segredo mais oculto
Teu desejo mais profundo, o teu querer
Tua fome de prazer sem disfarçar
Sou a fonte de alegria, sou o teu sonhar

Sou teu ego, tua alma
Sou teu céu, o teu inferno a tua calma
Eu sou teu tudo, sou teu nada
Minha pequena, és minha amada
Eu sou o teu mundo, sou teu poder
Sou tua vida, sou meu eu em você

(Victor Chaves)

Poema para todas as mulheres

No teu branco seio eu choro.
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre
E se embebedam do perfume do teu sexo.
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado
Confuso, criança para te conter!
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!
Homem sou belo
Macho sou forte, poeta sou altíssimo
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.
Ai! teus cabelos recendem à flor da murta
Melhor seria morrer ou ver-te morta
E nunca, nunca poder te tocar!
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...
Correi, correi, ó lágrimas saudosas
Afogai-me, tirai-me deste tempo
Levai-me para o campo das estrelas
Entregai-me depressa à lua cheia
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o cântico dos cânticos
Que eu não posso mais, ai!
Que esta mulher me devora!
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!

(Vinicius de Moraes)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Un vestido y un amor

Te vi juntabas margaritas del mantel
Yo se que te trate bastante mal
No se si eras un angel o un rubi o simplemente te vi

Te vi saliste entre la gente a saludar
Los astros se rieron otra vez
La llave de mandala se quebró
O simplemente te vi

Todo lo que vi está demás
Las luces siempre encienden en el alma
Y cuando me pierdo en la ciudad
Vos ya sabes comprender
Que es solo un rato no más
Tendría que llorar
O salir a matar

Te vi, te vi, te vi
Yo no buscaba a nadie y te vi

(Fito Paez)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Depois do começo

Vamos deixar as janelas abertas
E deixar o equilíbrio ir embora
Cair como um saxofone na calçada
Amarrar um fio de cobre no pescoço
Acender o intervalo pelo filtro
Usar um extintor como lençol
Jogar pólo-aquático na cama
Ficar deslizando pelo teto

Da nossa casa cega e medieval
Cantar canções em línguas estranhas
Retalhar as cortinas desarmadas
Com a faca surda que a fé sujou
Desarmar os brinquedos indecentes
E a indecência pura dos retratos no salão
Vamos beber livros e mastigar tapetes
Catar pontas de cigarros nas paredes

Abrir a geladeira e deixar o vento sair
Cuspir um dia qualquer no futuro
De quem já desapareceu
Deus, Deus, somos todos ateus
Vamos cortar os cabelos do príncipe
E entregá-los a um deus plebeu

E depois do começo
O que vier vai começar a ser o fim

(Renato Russo)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Versos Simples

Sabe, já faz tempo,
Que eu queria te falar
Das coisas que trago no peito
Saudade,
Já não sei se é a palavra certa para usar
Ainda lembro do seu jeito

Não te trago ouro,
Porque ele não entra no céu
E nenhuma riqueza deste mundo
Não te trago flores,
Porque elas secam e caem ao chão
Te trago os meus versos simples,
Mas que fiz de coração.

(Sander Fróis)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Respondendo a uma pergunta

Em todas as épocas a poesia foi dada como morta, ela porém se tem mostrado centrífuga e sempiterna, se tem mostrado vitalícia, ressuscita com grande intensidade, parece ser eterna. Com Dante pareceu que terminava. Porém pouco depois Jorge Marinque lançava uma centelha, espécie de sputinik, que prosseguia cintilando nas trevas. E logo Victor Hugo parecia arrasar, não ficava nada para os demais. Então o senhor Charles Baudelaire apresentou-se corretamente trajado de dândi, seguido do jovem Arthur Rimbaud, trajado de vagabundo, e a poesia começou de novo. Depois de Walt Whitman, que esperança!, já ficaram plantadas todas as folhas de relva, não se podia pisar no relvado. Não obstante, veio Maiakovski e a poesia parecia uma casa de máquinas: deram-se assobios, disparos, suspiros, soluços, ruídos de trens e de carros blindados. E assim prossegue a história.
(Pablo Neruda)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Esquerdista

Não há ninguém mais bobo do que um esquerdista sincero. Ele não sabe nada. Apenas aceita o que meia dúzia de imbecis lhe dão para dizer.
(Nelson Rodrigues)

Soneto

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso;
Quem o contrário diz não seja crido:
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.

(Luis de Camões)